8.10.06

Capítulo XI – Mudar pessoas, melhorar o mundo…

- Então quando eu chegar a Zürich eu mando-te um mail com notícias.. A ti e a mais umas pessoas que não sabem nada de mim há uns tempos..

- Mas porque não crias um blog? Adicionas notícias, fotos e cenas e o pessoal vai vendo.. Escusas de estar a escrever a toda a gente..

E assim começou…

Assim foi o momento de concepção deste blog da minha Viagem.

Um dia depois, depois de 1200km de boleia até Zürich em 15h, sentei-me na cama da Nina à 1h30 e escrevi a primeira entrada de um blog que viria a crescer de aí em diante.

Crescer em tamanho e em maturidade…

Nasceu então aquele que é a primeira forma escrita que encontrei de comunicar com as pessoas. Não sei quem o lê, não sei quantas pessoas e dessas tão pouco sei quais as que realmente tiram um significado das palavras que deixo correr… Não obstante escrevo. Mesmo que para uma só pessoa pensar um pouco em algo com o qual nunca tinha sido confrontada. Por uma pessoa basta e sinto em mim: Missão Cumprida.

Uma semana em Zürich na qual o passeio não era prioridade mas sim falar com as pessoas que perguntavam por mim. Posts escritos até às 4 ou 5 da manhã (como se pode ver pela hora a que deram entrada..). Horas sentado frente ao portátil para dar notícias e correr pelas palavras que jorravam pelos meus dedos.

Começou por ser isso mesmo… notícias.

Mas com o passar do tempo desta minha viagem algo aconteceu.. Algo muito forte tomou lugar.. Algo que eu não consegui parar. Algo para o qual eu já me estava a preparar há algum tempo e que enfim veio ao meu encontro (ou que procurei eu). Muito da minha Vida mudou, e está a mudar, com esta viagem e com as consequências que ela trouxe consigo.

Também o blog mudou.. O tipo de letra era o mesmo, o fundo preto como sempre, as fotos maiores ou menores mas não parecem ter mudado muito.. O que mudou então neste blog?

Mudou a mensagem. Mudou o sentido do vento. Mudou a força da tempestade. Mudou a minha fala. De alvíssaras em tom de gazeta passou a grito silencioso. Grito de Vida. Grito de Liberdade. Grito de Despertar. Grito de Agora! Já!

(lembro agora o “Despertar para a Ciência” da Gulbenkian.. pois bem.. para mim é “Despertar para a Vida”… quem sabe se não uma boa hipótese para o nome de um futuro blog)

Voltei há quase duas semanas e as consequências sentem-se e continuam a rebentar em mim. Começando por umas mais imediatas, como a mudança do meu meio envolvente. Passando para outras mais profundas ao comunicar com os que me rodeiam e comigo ao mesmo tempo. Voltei há duas semanas. As consequências explodem por dentro.

Esta viagem de uma maior Viagem trouxe-me muita coisa. Como já escito deu-me oportunidade de visitar vários sítios, sentar-me neles e ver as pessoas passar e a população local enquanto eu disfrutava um gelado. Mostrou-me também pessoas novas e permitiu rever grandes amigos. Algumas fotos (mais de 500), alguns cheiros e sabores. Sons de outros lados, música, ritmos, danças. Sol, chuva, nuvens, calor infernal e fresquinho bom.

Sim, pode se dizer que esta viagem trouxe-me muita coisa interessante.

Mas esta viagem, além disto, trouxe-me muito mais, em diferentes campos.

Além de apelar aos sentidos defrontou-me, confrontou-me, desafiou-me e abanou o mundo que construíra até então. Abalou o meu mundo como eu o conhecia. Pôs o meu mundo à prova. Quando estamos acomodados e somos abanados, o melhor que pode acontecer, e de que muita gente tem medo, é algo partir por dentro. Uma tábua que sustenta o nosso ser, partida em cacos. Abalar o nosso mundo e fazer-nos olhar para ele de fora. Então questionamos a nossa realidade. Queremos substituir a tábua? Queremos repôr o que lá estava? Ou queremos aproveitar o abalo para construirmos uma casa nova? Sem questionar a nossa realidade não sabemos nunca se estamos nela por consciente e fundamentada opção ou somente por hábito e inércia.

Um dos meus pilares foi destruídos.. Durante dois meses a madeira foi macerada. Não, o betão foi quebrado e caiu. Caiu sob a força do coração como o muro de Berlin sob a força dos berlinenses. Foi partido, pedaço a pedaço, em parte sem eu notar. Quando me apercebi do que se passava por dentro assustei-me. E agora? Perdi um dos mais importantes pilares da minha vida presente, passada e futura. E agora?

Esta viagem fez-me crescer à velocidade explosiva com que um feijão germina e cresce. Diferenças de dia para dia à medida que se olha para ele…

Direi que esta viagem, além de todas as imagens, sons, sabores, toques e odores, mostrou-me muito mais por dentro. Para dentro, por de dentro, nas entranhas. Vísceras que se viraram e reviraram sem encontrar posição confortável. Lágrimas boas e lágrimas más. Sorrisos com pequenas demonstrações de alegria num sinal de trânsito ou num supermercado. A cabeça que rebentou tantas vezes e que, por vezes, não aguentou não conseguindo (ou querendo) evitar que as lágrimas se libertassem.

Não, esta viagem não foi um InterRail em que se vêem 14 cidades num mês. Esta foi uma viagem visceral. Uma viagem por dentro de mim. Auto-conhecimento procurado em muitos veículos. O melhor que encontrei e que mais fez sentido em mim foi este: viajar. Uma viagem há muito desejada. Há muito preparada não estando talvez preparado para tanto de uma vez. Mas que procurava, lá isso procurava.

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E o que tirei eu desta viagem? Que tirei eu do contacto com pessoas tão diferentes de mim e com passados tão diferentes? Que tirei eu dos meus feitos?

Volto e olham-me: Chegou aquele que nadou contra a corrente. Voltou aquele que foi e viveu um sonho.

Três coisas distintas mas talvez indissociáveis.

Primeira: aprendi a estar sozinho. Aprendi a lidar com as coisas sozinho. Tive que aprender. Da pior, melhor ou até da única forma possível. Sozinho. Aprendi à porrada. Aprendi de forma que a única escapatória seria voltar. Três dias depois de chegar a Barcelona equacionei voltar. Algo me agarrou lá. Eu. Um novo eu. Eu sozinho.

Segunda: percebi que os sonhos são realizáveis. Que só depende de nós concretizá-los. Talvez com algumas condicionantes ou limitações mas se quisermos criamos os meios para que um sonho passe a um facto.

Terceira: Devo fazer o que me faz feliz. Como escrito na “História Interminável”, FAZ O QUE QUISERES. Não é, tia maluca?

O que mais se ganha ao viajar sozinho por sítios diferentes é uma coisa que nunca se consegue no “normal” círculo de pessoas com quem vivemos e convivemos. No meu caso, vivo rodeado de pessoas que andaram na escola relativamente perto de mim. A maioria anda na faculdade. Alguns com interesses políticos, outros com interesses culturais, e por aí em diante. Mas e perto de mim tenho alguma pessoa com um passado muito diferente do meu? Não. Se calhar não procuro ou não encontrei ainda. Possível. Mas estando num círculo é mais cómodo ficar nele. Estando sozinho é impossível. É-se forçado a dar um passo para fora e olhar à volta. Ouvir à volta. Falar à volta.

Ou ficar fechado. E eu não quero ficar fechado. Eu tive coragem para voar.

Em Barcelona estive a viver com 3 pessoas da minha idade que aos 18 ou 19 saíram de casa para viajar e parar aqui ou ali para trabalhar. Fugiam de alguma coisa? Talvez. Parecem-me existir dois tipos de viajante: os que fogem de algo e os que buscam algo. Claro que entre o preto e o branco existem muitos tons de cinzento.

Eu busco outros mundos e culturas. Busco-me nessas culturas. Procuro encontrar-me como me encontrei nesta viagem. Sim, eu estava preparado. Só não esperava tanto.

O contacto com estas três pessoas fez-me parar e pensar. Olhar para trás. Eu estou desde os 6 anos até agora, na escola (mais ou menos), agarrado a livros. Eles viajam pela América do Sul e eu leio. Eles vivem na Austrália (com o Pacífico a separar de casa) e eu estou num laboratório. Eles largam o comodismo parisiense para ir para o México comer com as mãos e eu sento-me na secretária rodeado de apontamentos e fotocópias.

Isto deu-me que pensar. Se calhar para algumas pessoas isto é aceitável, tolerável, recomendável e até desejável. Para mim faz-me pensar. Porque eu tenho vontade de conhecer mais culturas e viajar está directamente implicado nisso.

Eles optaram e foram.

E eu? Que opções tomei eu nos últimos tempos?

A última escolha relativamente apaixonada (mas também um pouco por exclusão de hipóteses) foi ir para Biologia. Mesmo dentro de Biologia pensei seriamente, a ponto de me fazer tremer com o turbilhão que corria dentro de mim, em mudar de curso… E que outros cursos? Medicina, Enfermagem, … Porquê? Pessoas!

Porque Biologia, ou pelo menos em grande parte a que decidi seguir, é feita de livros, bancada e pipetas. Se é fascinante? É, sem dúvida alguma. É das coisas mais lindas que existe para mim à face da Terra.

Decidi então ir para Biologia Microbiana e Genética. Porquê? Porque de entre as opções era a que me parecia mais adequada aos meus gostos e interesses.

Notaram a palavra “adequada”? E a paixão? E a loucura? E o fogo por dentro de uma criança que diz: “Quando for grande quero ser jogador de futebol?” Paixão? Não, nem por isso.

Isso já não sinto há algum tempo. Alguns professores aproximam-me desse ponto. Mas o amor e a paixão têm que vir de dentro. Não dos pares que nos tocam no dia-a-dia. Podem influenciar claro mas de resto é visceral.

Rumo traçado: média de 16, doutoramento logo após acabar o curso. Início perfeito para entrar no mercado de trabalho.

Certezas: uma só. Sair de Portugal. Ir viver para fora.

Queria Erasmus. Revelou-se impossível. Mestrado fora? Sim. Mas qual o verdadeiro motivo? O que me puxava? O sair, a cultura diferente, os ares, as gentes, as línguas.

E a Biologia? Não havia certezas relativamente à Biologia? Haveria, se ela realmente me preenchesse. Não sendo o caso, serve de desculpa ou justificação.

Sempre gostei de Biologia. Sempre me fascinou. Fascina-me todos os dias. As pequenas maravilhas do mundo vivo embriagam-me. Mas alguma vez sonhei com ser um investigador? Não, acho que não. Até me assusta um pouco imaginar-me a vida toda na bancada. Talvez passageiro. Quem sabe.

Mas então porque escolhi eu este percurso? Porquê um doutoramento logo a seguir? Porquê investigação?

Porque é o recomendável. Porque é aí que está o prestígio. O prestígio que a máquina do Ocidente reconhece.

Sair da escola, escolher um curso, acabar o curso, pós-graduações, mercado de trabalho, mercado de trabalho, mercado de trabalho.

Muita gente não pára para questionar, para sonhar. Infelizmente muita gente não tem a sorte de ter uma experiência que os abale como eu tive. De ser chocalhado e ser levado a questionar tudo o que tem de mais certo.

A máquina da sociedade impede que paremos. Em outros países não é bem assim. Queremos fazer coisas mas a máquina empurra-nos.

Somos levados a escolher não aquilo que queremos mas o que é suposto. Decidimos por vezes não por vontade própria mas por sermos empurados pela mecânica de uma poderosíssima máquina.


E por que é tao poderosa? Por que não procuram as pessoas os seus sonhos? Porque essa máquina é silenciosa. É subtil. “A melhor maneira de fazer as pessoas não pensarem é pô-las a trabalhar. Levantam-se às 8, entram às 9, saem às 18, jantam e cama. Ah e o pouco tempo que não têm a trabalhar passam-no no carro a stressar ou frente à televisão a estupidificar. Já notaram que quando um café tem uma televisão estão todos virados para ela? Ninguém pensa, ninguém fala, ninguém lê, ninguém é. Simplesmente absorvem o que a televisão mostra como se fossem dogmas.

Para quê pensar se a vida já foi pensada por nós? Só temos que trabalhar e ficar felizes com o aumento ao final de uns anos. Não é isto que a sociedade do Ocidente defende? Produtividade sem sonhos. Um fábrica de salsichas. Uma linha de montagem. Numa linha de montagem nada pode interferir. Os sonhos pertubam demasiado. O melhor mesmo é cumprir ordens e não abanar muito o barco porque se não ainda perco o meu trabalho. E isso é tudo na minha vida.

Quando nos perguntam: E tu Vitor? Diz-me quem és tu? Começamos por dizer: Estudo isto, sou formado naquilo, trabalho nisto.

Será que isso SOMOS nós? Tenho pena de quem se sentir assim. Talvez uma pessoana ignorância feliz mas sem ver mais à frente. Eu não sou o que estudo. Eu sou muito mais. Eu sou EU. Sou o que sonho, sou o que faço, sou quem me rodeia e quem rodeio. Sou uma pessoa no meio de milhões mas uma PESSOA.

As pessoas são feitas de tanta coisa… Tanta coisa que nos constrói por dentro. Não carne e osso mas que nos suporta por dentro. Aquilo que não se vê. Os sonhos, as metas, os sorrisos, a alegria, o amor e o ódio profundo. O rancor, a amizade, as richas e o que vemos quando paramos na rua ou espreitamos acima de toda a gente no bairro alto. Paramos, o tempo pára também e vemos cervejas a passar, trocas de olhares, roupas diferentes, fumo, hormonas, hálitos, gargalhadas, gente. Somos também o que fazemos ser.

Somos o que perseguimos. Somos aquilo por que lutamos. Somos aquilo que nos faz levantar de manhã e a última coisa em que pensamos antes de adormecer. Somos a viagem na América do Sul ou a viagem do quarto à cozinha. Somos nus em casa de janelas fechadas ou não. Somos o sol no corpo de manhã depois de uma noite de borga.

Somos o vento que desarruma o cabelo. Chateados ou felizes com isso.

“Este gajo nunca pára de sorrir” Somos isso mesmo! Um eterno sorriso. Alguém que inveja esse sorriso. Somos felizes. Somos incompletos. Somos sonhadores.

Ou será que isso tudo sou só eu? Mas… tanta coisa ao mesmo tempo? Não era eu alguém tão insignicante no meio de milhões?

Somos tanto e parecemos tão pouco.

E o que fazemos acerca disso? Será que lutamos? Quantas pessoas podem, da sua própria maneira, sentar-se numa cama em Zürich às 2 da manhã, sentir do fundo do seu mais verdadeiro ser e dizer: CONSEGUI! ?

E quantas pessoas têm noção de que estão a ser arrastadas e empurradas? Frente a alguns bares no Bairro Alto todos são empurrados e puxados. Apertados e incomodados. Mas preocupamo-nos com isso? Não. Preocupamo-nos com a imperial que temos na mão. Não pode entornar. Sem ela sentimo-nos incompletos. Engraçado ver isso como analogia para a nossa sociedade. Para a máquina da sociedade. Desde que todos tenhamos uma imperial na mão podem nos empurrar à vontade. Centramo-nos em coisas pequenas enquanto alguém escolhe o sítio para onde vamos a seguir.

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Há tempos sonhava com viajar. Há tempos sonhava com viajar à boleia. Há tempos viajava nos meus sonhos e imaginava-me a fazer voluntariado fora da Europa.

Mas não. Tudo muito bonito mas impossível. Não tenho tempo. Nunca na minha vida próxima terei 3 ou 6 meses para voluntariado. Nem pensar. On with the show. The show must go on.

NÃO!!

Os sonhos fazêmo-los nós. A vida ditamos-la nós. Não somos levados pelo destino. Fazemos o percurso. Viramos onde queremos virar. Paramos quando queremos parar. A estrada divide-se e somos nós quem olha para o mapa e vê para onde quer ir. Depois a boleia leva-nos até onde puder.

Tive dois meses sem essa máquina. Aliás. Quando a máquina me esmagou e não consegui o trabalho entrei em parafuso. Até que percebi que essa era exactamente uma oportunidade para me libertar desta infernal máquina.

Pensamos tudo. Não deixamos nada escapar. Tudo calculado e controlado. Rota traçada. Modo cruzeiro. Em frente sem colocar questões problemáticas. Não é, Pedro? Nada pode sair do nosso controlo.

Porquê? Porque é mais fácil assim. É mais seguro. E nós não lidamos bem com a insegurança. Não lidamos bem com o não saber o que fazer amanhã. Não lidamos bem com o não saber o que fazer quando acordamos. Quantas vezes eu me senti desconfortável quando não sabia o que fazer no enorme dia que se avizinhava. Não sabemos parar. Porque se pararmos temos que pensar. E se pensarmos ainda dá merda.

Aí está a magia da máquina. É essa a máquina que nos puxa, suavemente, para o trabalho todos os dias. É essa a máquina que nos leva na corrente e nos empurrões enquanto nós olhamos para a nossa imperial. É essa a esmagadora máquina que vive dentro de nós desde que nos sabemos pessoas. Desde que vamos para a escola e nos dizem pela primeira vez: “Tens que ter boas notas e ser o melhor da turma” Porque, afinal de contas, só assim podemos ser felizes. Não é? Ou será que não é?

A magia da máquina é essa mesma. Ela não nos fala de manhã. Ela não nos é dita ao longo do dia ou na pausa para café. Ela não está afixada na rua nem é dita na televisão.

Não. Ela é implacável porque vive dentro de nós. Dentro de todos nós mas mais importante que isso, dentro de cada um de nós.

É esse o primeiro passo. É esse o mais difícil. Apercebermo-nos disso. Ter plena consciência disso. De que a máquina vive dentro de nós e nos empurra. Empurra-nos de forma subtil. De forma a que não nos apercebamos dela. De forma a que a nossa imperial seja o centro do nosso mundo e tudo mais não exista, sem ser sequer necessário pôr-nos palas. Nós pômo-las a nós próprios.

É aí que começa o desafio. Eu apercebi-me disso. Eu vi, quando estive fora e de fora que essa máquina apodera-se de nós. Essa máquina faz com que não viajemos. Com que não “percamos tempo”. “O tempo é dinheiro”

NÃO! NÃO PORRA! NÃO!!!!

O tempo não é dinheiro. O tempo é o que nós queremos que ele seja! É isso que todos nós temos que ver. É isso que todos nós temos que perceber. É isso que marca a diferença entre ter noção e não ter. É isso que nos prende, ou não. Aliás, é a isso que nos prendemos, de bom grado.

Essa máquinha é implacável só até se revelar. Até ser descoberta. Porque uma vez descoberta, pode ser parada. Com maior ou menor facilidade mas pode ser parada. Aí já não somos empurrados sem saber. Aí decidimos olhar para a frente, para dentro e à volta ou continuar a olhar para a imperial. Uma vez que tomamos conta dessa implacável máquina cabe a nós ditar o nosso próximo passo. O Homem não é só um ser social. É um ser que se move em manada.

Foi isso que me fez pensar muito. Foi disso que eu falei vezes sem conta. Foi a falar que eu percebi e pensei. Que construí aos poucos o que penso. É a discutir que me chegam as minhas melhores reflexões. Foi a discutir que percebi muito do que escrevi aqui. Fica aqui, guardado para sempre. Para que ninguém se esqueça.

Foi a discutir que pensei nas viagens, na cultura, na sociedade, na máquina do trabalho, nos sonhos. Se não tivesse saído de Lisboa dificilmente teria tido oportunidade de discutir com pessoas tão diferentes. Cá encontraria pessoas presas de “livre” vontade na mesma máquina que eu.

E é essa máquina que eu vou sabotar. É essa máquina que já parou. É essa máquina que começa a ser desmantelada. Peça por peça.

(descansar um pouco.. o cérebro pede uma pausa..)

Na minha faculade (talvez exemplo de muita coisa pela sociedade fora) todos são empurrados para um mestrado. E não só isso. Todos são empurrados para o fazer em Portugal, em Lisboa, na FCUL. É preciso um professor bater o pé para que as pessoas acordem e percebam a importância da mobilidade e a oportunidade que Bolonha nos dá para pôr isso em prática. Saiam daqui! Vão ver o mundo! Vão experimentar e se quiserem voltem. Uma coisa vos garanto. Voltarão diferentes. Com ideias novas. Com vivências diferentes. Pessoas diferentes! Acima de tudo, pessoas diferentes, mais fortes e experientes. Contacto com pessoas diferentes. Se calhar voltam a amar ainda mais o vosso país. Se calhar a dar valor que não davam. Tudo isto e muito mais.. mas VÃO!

Como tal comecei a procurar mestrados. Ou melhor.. comecei a procurar cidades e via se nessas havia mestrados. SE.

Percebi que o que quero não é o que a máquina me mostra. Percebi, por ver de outras pessoas, que existem outras opções. E dessas opções a que eu quero agora não é a de fazer um mestrado.

Quero pessoas. Quero ser humano. Sei que o posso ser em paralelo com qualquer profissão. Mas eu não quero paralelo. Eu não quero perpendicular. Eu não quero tangente. Eu quero em pleno. Do menos aos mais infinito. Eu quero trabalhar como ser humano e para seres humanos. Quero me entregar a pessoas.


”Quando sinto, quero tudo. O pouco não me chega.” (filho de peixe sabe nadar)

É isso que eu quero. Era isso que eu procurava mas punha sempre a máscara da Biologia. Quando escrevia no Google “MSc Molecular Biology Berlin” o que devia lá estar escrito era “Berlin Berlin Berlin Berlin”. Mas eu demorei a perceber isso. Felizmente não foi tarde demais.

Decidi dedicar (pelo menos) um ano, ou parte de um ano, da minha Vida a voluntariado em países de terceiro mundo. Decidi entregar-me a quem precisa.

É necessário que nos questionemos enquanto biólogos (ou pessoas no geral em assuntos diferentes): queremos pesquisar para a saúde humana? Ou queremos defender as espécies animais e vegetais que o Homem destrói na sua existência? Queremos estudar para melhorar a vida daquele que destrói? Queremos pesquisar para curar o cancro do cólon ou da mama das mulheres ocidentais quando por cada mulher dessas que morre de cancro milhões mais morrem de SIDA ou de fome? Queremos pesquisar para tornar maior a longevidade do Homem Ocidental ou queremos ajudar a África sub-sahariana onde estão 70% dos contaminados com SIDA do mundo? Queremos pensar no Homem Ocidental e nos seus jogos de guerra contra o terrorismo ou pensar na metade da população mundial (mais de 3 mil milhões de pessoas) que vive diariamente com menos de 2 euros? Temos direito a um telemóvel e a gastar gasolina nos nossos carros? Temos direito a ter TV Cabo e a uns ténis All-Star?

Temos direito a quê quando metade da população mundial não tem 3 refeições por dia?

Temos o DEVER de nos questionar enquanto pessoas (e biólogos) e questionar para que queremos realmente contribuir. Temos o DEVER de parar e pensar. Temos o DEVER de pensar e AGIR.

Estamos entre os 25 países mais ricos do mundo. São mais de 200 no Mundo inteiro e a nossa maior preocupação é se chegamos a casa a tempo de ver o “Sex and the City”?

E é isso que eu quero fazer. É isso que eu queria há muito fazer. Era um sonho como era viajar à boleia. Um outro sonho que eu via distante. Desejado mas improvável. Não! É tão provável quanto eu quero que seja.

Ao longo do último ano tenho vindo a trabalhar para pagar na íntegra o meu Erasmus. Mudaram os planos, virou-se o dinheiro para o mestrado.Vejo agora que esse dinheiro, como qualquer dinheiro, deve ser para cumprirmos os nossos sonhos. Talvez o use num programa de voluntariado, que por vezes são caros. Antes disso procurarei programas não demasiado caros.

Vou dedicar parte da minha Vida àqueles que precisam dela. De amor e atenção. Vou para lá para ajudar e ser ajudado. Ensinar e aprender. Provavelmente aprender muito mais do que ensinarei. Ser ajudado muito mais do que ajudarei.

Melhorar um pouco mundo no campo. O mais depressa possível.

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Uma vez mais, em conversa aprendo muito. Muitas conversas alimentam a mente e o coração. Quando não encontramos respostas dentro de nós temos que procurar fora.


Sim Filipa, quando a resposta não está dentro de ti e as respostas que dás não são suficientes para solucionar os teus problemas, está na hora de procurar fora de ti e procurar ajuda mesmo que não pedindo. Não somos auto-suficientes nem crescemos ou evoluímos se ficarmos sozinhos na nossa esfera. Para vivermos e tirarmos partido da Vida em pleno temos que visitar outros sítios e conhecer pessoas diferentes.

Uma vez mais em conversa.

Obrigado Patraquim.

Percebo que a Biologia não é tão egoísta quanto isso. Sim, os efeitos da investigação pura são morosos. Importantes não obstante. Sim, se calhar é na bancada que se descobre a cura para a SIDA. Sim, vejo mais sentido agora naquilo que persigo. Todas as ferramentas são uma arma se forem utilizadas correctamente, não é Pedro?

Sim, as conversas contigo e com tantos outros têm me feito crescer e ver.

Sim, é verdade que gente com vontade e força e amor para dar há muita. Tanto cá como em África. Mas sim, tens razão. Falta gente qualificada no terreno. E se compararmos quantas pessoas podem ajudar no campo com quantas pessoas podem procurar uma cura para a SIDA na bancada vejo que estou numa posição muito previligiada e talvez seja meu dever também contribuir para o mundo desta minha forma. Como muitos outros não podem. Estou a estudar numa universidade num dos 25 países mais ricos do mundo. Tenho uma oportunidade que muitos não têm e como tal é da minha responsabilidade tirar o melhor partido desta fascinante e única oportunidade.

Todas as ferramentas podem ser uma arma se forem utilizadas correctamente.

De repende dou mais sentido à minha vida enquanto estudante de Biologia.

Não obstante, quero ir para o terreno. Quero ver com os meus olhos. Quero ajudar com as minhas mãos. Quero contribuir com algum imediatismo para os problemas dos outros. Quero ajudar. Posso ir para o terreno ensinar as pessoas a protegerem-se do HIV. Posso fazer com que mais uma criança prefira a escola às ruas da droga. Posso ajudar. Quero mudar um pouco do mundo. Quero dar ao corpo ao manifesto. Mais um corpo para ajudar. Mais um sorriso para melhorar a Vida daqueles que realmente precisam. Daqueles que não dizem que têm direito a um livro ou a um bolo ou a umas férias. Daqueles que não sabem sequer o que isso é. É a esses que eu quero estender a mão e ajudar com um sorriso.

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Numa conversa uma amiga disse-me que sonha como eu sonho. Mas nunca teve coragem para voar. Que nunca teve um exemplo em que se apoiar. Alguém a quem perguntar: “E o que devo fazer? E o que devo não fazer?”

Se ninguém nos falar de pêssegos, se nunca virmos pêssegos, se nunca cheirarmos ou saborearmos pêssegos, é-nos impossível pensar neles. Os pensamentos e as ideias não surgem do vazio. Surgem num contexto. Com uma base passada.

É isso que essa minha amiga buscava.

Foi isso que eu encontrei no encontro com a Kinga (ver links sugeridos) e no encontro com o trio com quem vivi em Barcelona. Foi esse o premir do gatilho, o desencadear da bomba dentro de mim.

É isso que as pessoas precisam por vezes. Muitas pessoas não escolhem, simplesmente vão para o que conhecem. Não por serem felizes em pleno, simplesmente por não conhecerem mais. Se calhar existem opções com as quais seriam muito mais felizes mas sem as conhecer é-lhes impossível criá-las do nada. Nada se cria, tudo se transforma.

É essa a missão deste blog.

O que deixo aqui não passa de um testemunho. De uma opinião. De um pedaço de uma Vida. Que importância tem isso na escala temporal geológica? Que relevância tem isso no século XXI? De que importa isso para os 6 mil milhões de pessoas no mundo? Nada, talvez.

Mas serve para mostrar que isto É POSSÍVEL! Isto aconteceu no ano 2006. Esta viagem começou no dia vinte e cinco de Julho de dois mil e seis, com todas as letras e números. Nesse mesmo dia. Saí de Barcelona no dia vinte de Agosto de dois mil e seis. Cheguei a Lisboa no dia vinte e um de Setembro de dois mil e seis. Sim, durante um mês eu estive a viajar, na estrada, à boleia. Nunca antes conheci um português que o tivesse feito. Talvez ninguém do meu “círculo” tivesse conhecido. Mas hoje eu digo e repito as vezes que forem necessárias: ACONTECEU! É POSSÍVEL! É REAL! Porque eu quis que assim fosse e porque a força da minha vontade tornou o sonho realidade.

Que este seja o clic para muitos. Que este seja o clic como foi para mim toda esta experiência. Que isto desencadeie dentro das pessoas um questionar e pôr em causa. Uma comichão e um desconforto. Esse desconforto facilmente é abafado se esquecermos tudo e nos concentrarmos de novo na nossa imperial mas é esse desconforto que nos faz questionar e ver de fora. Se estamos desconfortáveis é porque algo não está bem. O quê? Dissecar, perceber, ponderar, apercebermo-nos de que algo está errado ou de que algo não foi escolhido por nós ou se foi não por paixão mas porque é o recomendável.

Se é este o teu caso, AGE! Mexe-te. Faz acontecer. Não fiques no sofá a estupidificar! Já! Agora!

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Questões finais relativamente à viagem que me foram colocadas várias vezes:

- E não é perigoso viajar à boleia?

Quanto ao perigo…

Não, não é perigoso.

Existe perigo e existe algum fundamento no receio que se sente. É um facto. Mas se esses fundamentos justificam o enorme medo que se tem das viagens à boleia? Não. São super exagerados, desmedidamente multiplicados…

Sim, morreu uma alemã em Setembro de 2005 na Nova Zelândia porque apanhou boleia com a pessoa errada. Sim, talvez pudesse morrer uma pessoa nas estradas de Portugal ou por qualquer uma das estradas pelas quais passei. É uma possibilidade. Existe uma certa probabilidade de isso acontecer.

Tal como existe uma certa probabilidade de morrermos na estrada quando seguimos de carro, ou de sermos atropelados na rua, ou esfaqueados numa discoteca, ou alguém raptar a nossa criança num parque. Sim, essa possibilidade existe. Mas será que é isso que nos leva a não sair à rua? Ou a não andar de carro? Ou a não nadar nas praias? Quantas pessoas morrem a conduzir carros e quantas a viajar à boleia? Mais importante.. Quantas pessoas morrem ou são vítimas de qualquer tipo de moléstia enquanto viajam à boleia e quantas não têm problema absolutamente nenhum, viajam lindamente, conversam com a sua companhia de viajem, trocam opiniões ou mesmo criam amizades com as pessoas que lhes dão boleia?

Já alguma vez pensaste nisso?

Já alguma vez sequer isso te passou pela cabeça?

Provavelmente não porque o que te é dito e o que é “imposto” é que deves ter medo das viagens à boleia e que na estrada andam psicopatas. Que tudo é perigoso, que tudo pode correr mal, que os homens são todos loucos, depravados e psicopatas e que se te dão boleia é porque querem alguma coisa.

Sim tudo pode correr mal mas o mais provável é que tudo corra optimamente. Cabe a ti decidir se o queres fazer ou não? Se estás disposto a abdicar do conforto do avião ou do comboio para partir numa fantástica aventura multi-cultural, na qual não controlas todas as variáveis. Lembra-te que, quantas mais variáveis controlares menores são as hipóteses de seres surpreendido. Com a maravilha que é viajar. Com a maravilha que é conhecer novas pessoas e novas culturas e formas de pensar.

Durante meses a suiça com quem eu estive viajou pela América do Sul sozinha à boleia. Ela fez a viagem Zürich-Barcelona e Barcelona-Zürich completamente sozinha e não teve problema absolutamente nenhum. A francesa Ophelie fez o mesmo.. Viajou kilómetros sem fim sozinha à boleia e não teve problema nenhum.. A Kinga atravessou o Médio Oriente sozinha e o Mundo com o namorado e não teve o menor problema com as boleias. Isso diz-te alguma coisa?

“Ah mas é mais perigoso para uma rapariga…” Será? Talvez as raparigas estejam mais susceptíveis a assédio. Verdade. Mas por outro lado muito mais gente dá boleia a uma rapariga sozinha do que a um rapaz. Quantas mulheres sozinhas darão boleia a um homem? Poucas, parece-me. Também alimentadas por um medo enorme e injustificado. E a uma mulher? Acho que pelo contrário, não só darão mais facilmente boleia por não representar uma ameaça como provavelmente terão uma faceta “solidária” e de “irmandade” que as levará a ajudar as suas próximas e desprotegidas.

Por isso pondo as coisas na balança não sei para quem será mais fácil viajar à boleia…

Mas mais importante que este rapaz vs rapariga…

Porquê tanto medo? Qual o motivo que nos leva a recear tanto o próximo? Qual o motivo que leva algumas pessoas a nem sequer olharem quando me dirijo a elas ou ao seu carro se eu levo comigo um sorriso?

Vivemos numa sociedade de medo. Acreditamos que no mundo em que vivemos metade de nós quer lixar a outra metade. Que as pessoas são más por natureza. Que todos querem algo de todos.

Eu não vivi isso.

Basta imaginar um metro cheio de gente.Gente normal. Gente que tem vida, trabalho, filhos, hábitos, manias. Gente normal. Se cada uma dessas pessoas estivesse dentro de um carro a passar por uma auto-estrada e a parar numa bomba de gasolina qual seria a probabilidade de essa pessoa querer fazer mal a alguém?

Eu acredito que as pessoas são boas. Sim haverá pessoas menos boas mas acredito que as pessoas são boas e só não o demonstram porque vivem com medo também.

Eu não acredito que seja perigoso viajar à boleia. Penso que é uma forma fantástica de conhecer. De ver paisagens que ficam por ver de dentro do avião. De ouvir música que fica por ouvir de dentro de um comboio. De discutir opiniões que ficam por discutir dentro de um carro onde viajamos sozinhos.

Mas essa é a minha opinião. E eu decidi viajar à boleia porque para mim isso significava muito e se não o fizesse sentir-me-ia menos realizado. Era um sonho e eu realizei-o. Não fiquei decepcionado. Muito pelo contrário, fiquei maravilhado e voltarei a fazê-lo. Chamem-me louco. Chamem-me o que quiserem. Mas realizei um sonho. E nisso sou uma pessoa mais feliz que outras que ficam sentadas no sofá sem sequer tentarem.

- E não gastaste imenso dinheiro?

Não. Começa por calcular quanto gastas em média durante dois meses onde vives. Ou até durante um mês. Ou até em duas semanas de viagem. Em Lisboa penso que uma pessoa gastaria cerca de 300/400 euros por mês em casa, comida, sair à noite, cafés, petiscos, cervejas no Bairro Alto… Vivendo uma vida confortável, sem excessos em demasia isto é…

Já fizeste contas? Quanto gastas por mês vivendo sozinho (longe da guarida dos pais isto é) em Lisboa?

Pois bem, eu gastei €301,66. Nada mais, nada menos. Se acrescentarmos dinheiro que os meus pais carregaram no telemóvel para falarem comigo este número poderá subir talvez até perto dos €400.

Acabo de perguntar a um amigo meu e ele disse-me que gasta normalmente cerca de €450 num mês normal.

Eu gastei €301,66 em dois meses.

E como?

Viajando à boleia, comprando comida no super-mercado e cozinhando em casa, ficando em casa de gente que conhecia ou que passei a conhecer pelo Hospitality Club (ver links recomendados). Basicamente da melhor forma possível para tentar entrar, entranhar-me, integrar-me na cultura local o melhor possível. Cozinhei para outros e comi o que outros cozinharam (acho que tive mais sorte que eles porque os meus dotes precisam de uma valente afinação).

Além disso enquanto estive em Barcelona trabalhei a distribuir flyers. No dia em que cheguei, a primeira pessoa que se dirigiu a mim foi uma americana que trabalhava para um Irish Pub. Um ou dois dias depois fui ter a esse Irish Pub para me mostrar disponível para trabalhar. Ganhava €6,50 à hora. Cerca de 20-25 euros por dia, dia sim, dia não. Era chato. Era uma seca. Mas era suficiente para pagar comida, bares, museus,e tudo mais. Saí de Barcelona ainda com €60 no bolso.

“Ah mas eu não tenho tempo para parar e trabalhar.”

TENS O TEMPO QUE QUISERES! A VIDA É TUA! Solta-te das prisões! Se realmente o tempo a que te propões viajar é curto, procura um trabalho que não requira compromisso de muito tempo. Este trabalho era combinado para o dia seguinte. Não havia semana que vem… Essa logo se via quando chegasse. É possível. Basta mexeres-te. Ser proactivo.

Então mas não saías de casa?

Errado. Fui a bares, discotecas, museus, passeei, vi, conheci, falei, ouvi, comi comida boas, escutei música boa, entre tantas outras coisas.

Sim, poupei muito em transportes públicos. Grande maioria dos meus passeios foram a pé. 4 e 5 horas a caminhar. Faz parte de mim. A melhor forma de conhecer uma cidade é caminhando pelas suas ruas… É quase como comparar uma viagem à boleia com uma de avião. Mais barato, mais demorado (que é bom porque permite apreciar e saborear as coisas com mais tempo), mais saudável (hummm ok andar de carro não é tão saudável quanto isso.. mas tinha que dizer esta) e permitindo entrar mais na vida das pessoas, das ruas, das mercearias, dos bairros. Sim caminhei 5h sozinho e sem dizer uma palavra num dos últimos dias que estive em Barcelona. Sim caminhei 20km no primeiro dia que estive em Berlin. Parece mau? Diz-me onde queres ir e de certeza saberei melhor que qualquer pessoa que fez o mesmo mas de metro.

Por falar em metro.. Sim por vezes viajei sem pagar. Poucas vezes pois não sabia bem quando nem como apareciam os revisores. Porque em Berlin eles estão à paisana (gente inteligente…) Mas a verdade é que uma viagem de metro em Berlim custa €2,10 e uma de comboio de 30 ou 40 minutos na Suiça custa €20 euros ida e volta. E eu paguei este!

Por isso se me pedirem uma receita mágica dir-vos-ei:

- Hospitality Club (acima de tudo)

- viajar à boleia

- comprar comida no supermercado e cozinhar (um gelado de uma bola nas ruas de Barcelona custa €2 enquanto que um litro de um maravilhoso gelado de chocolate no LIDL custa €1,79)

- andar a pé o máximo possível pelas cidades

- trabalhar, se possível, para ganhar algum dinheiro e não ter só gastos.

Mas não comi comida em casa de outras pessoas? “Se calhar foste um pouco parasita, não?

Comi em casa de outras pessoas, comida que elas tinham. Mas em primeiro lugar, porque me ofereciam elas comida? Porque eu as cumprimentava com um sorriso. Um sorriso que foi constante nesta minha concretização de um sonho. Sim tinha e tenho motivos para estar feliz. E assim estou e sou para as outras pessoas. Cumprimenta o mundo com um sorriso e ele te devolverá outro sorriso.

Por outro lado não passava o dia sentado no sofá a passar canais na TV. Quase todos os dias, quando estava alojado em casa de alguém que me recebera de boa vontade, começava e acabava o dia lavando loiça. Se cozinhar não é a minha melhor qualidade, posso dizer que a prática de lavar loiça foi bastante afinada. Varrer o chão, regar as plantas, ajudar a cozinhar, pôr a mesa. Há mil e uma maneiras de ser prestável. Tudo começa num sorriso.

Sempre disposto a ajudar aqueles que me ajudaram também. Sempre disposto a ajudar e a ser simpático para aqueles que relutantemente me ajudaram ou que não me ajudaram por medo. Que motivos tinha eu para não ser simpático?

Na pior das hipóteses passava uma noite a ler numa bomba de gasolina e a dormir abraçado à minha mochila. De resto, estava a concretizar um sonho. Que motivos tinha eu para não estar feliz?

Pensem nisso… Pensem nesse número. Trezentos e um euros e sessenta e seis cêntimos em dois meses. E não estive fechado em casa. Não. Tive o Verão da minha Vida! Tive uma experiência insubstituível e sem a qual não seria o Miguel que sou hoje. Como disse o Vitor, “um Miguel mais sensato”. Por €301,66!

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Durante dois meses vivi muita coisa.

Estive sozinho e estive acompanhado.

Com pessoas parecidas comigo e com pessoas completamente diferentes.

Passeei por cidades fantásticas e passeei dentro de mim.

Fiquei a conhecer um pouco de culturas. Fiquei a saber muito mais de mim.

Desejei abraços. Desejei sorrisos. Chorei por uma mão amiga.

Vibrei quando recebia um sorriso na rua. Tudo o que me deitava abaixo se dissipava com um sorriso.

Esperei por vezes horas por uma boleia mas um simples sorriso de alguém, mesmo que de carro cheio e não me podendo levar, bastava para perceber que a espera tinha valido a pena.

Percorri quilómetros de estrada com vistas fantásticas e fiz-me viajar quilómetros mais dentro de mim.

Vivi uma experiência inolvidável. Uma experiência que está ao alcance de qualquer um. Uma experiência que tu podes viver também.

Não deixes que a Vida te empurre. Não deixes que os outros decidam por ti. Não deixes de realizar os teus sonhos se os desejas mesmo. Precisas de dinheiro para concretizar aquele sonho? Começa a trabalhar já! Queres alguma coisa mas há muita papelada no meio? Começa a chatear já. Envia mails. Telefona. Vai lá. Mostra que queres e que não vais desistir. Mostra a ti próprio que não vais desistir. Vive os teus sonhos.

Como disse, e bem, uma grande, sorridente e quente amiga minha:

“Desenmerda-te e faz pela Vida!”

Concretiza os teus sonhos. Não te deixes enterrar por eles. Não te deixes sufocar pelo desejo de os concretizar. Não te deixes ficar sentado no sofá.

Levanta-te, desliga a televisão, abre as janelas da sala. Respira o ar fresco.

Pega numa mochila, num caderno e numa caneta. Faz-te à estrada. Qualquer que ela seja.

Agarra a Vida com as tuas próprias mãos. Ela é tua e é só uma. Aproveita-a. Vive-a como TU queres. FAZ O QUE QUISERES! Carpe Vitae!!!

Queria que este blog acabasse com 12 capítulos. Sem motivo aparente. Talvez as horas do dia. Talvez os meses do ano. Talvez muita coisa mas é um número que para mim tem significado.

No entanto o blog fica com onze capítulos. Onze capítulos sobre a minha Viagem. Talvez não tenha acabado.

Fica um décimo segundo capítulo por escrever.

Mas agora não serei eu.

Este blog começou por ser um veículo de notícias. Passou para uma mensagem para amigos. Agora percebo para quem este blog realmente é. Percebo o porquê de ter começado a escrever mais que no meu próprio caderno. Este blog não é para mim nem para a minha família ou amigos em especial.

É para abanar quem passar por ele e se der ao trabalho de o ler. É para fazer questionar e pôr em causa objectivos e atitudes. Para abalar e fazer ondas. Isso é tudo o que posso fazer. Contribuindo para estilhaçar esse alicerce fica o meu papel concluído. Depois cabe a cada um ver e perceber o que quer e, a partir daí, agir.

Este blog é para ti.

O décimo segundo capítulo fica à espera.

E tu? Não tens sonhos?


Agora é a tua vez.


Entretanto continuo a sonhar. Continuo a concretizar. Continuo a conhecer-me e a VIVER! Com o mapa da Europa colado numa parede. Com o mapa do Mundo na outra. A sonhar sempre. E a cumprimentar o Mundo com um Sorriso. Sempre. A viajar…


E tu?




De um viajante,

Miguel de Sousa Mendes

26.9.06

Capítulo X – O derradeiro teste…

Abro o meu mapa da Europa em cima da mesa. Pego na caneta que me acompanhou e pouso a ponta na Invicta. Traço uma linha que segue para Sul. Contornos, rectas e curvas, descendo o país chego a Lisboa. Levanto a ponta da caneta. Cheguei. Olho o mapa uma vez mais. Consegui. Sinto orgulho… Sinto força e sonhos a brotar em mim. Sim, consegui.

Mas voltando um pouco atrás…

Depois de uns dias em Frankfurt chega a hora de partir. Seguir caminho, voltar a casa e passar para um próximo caminho na minha Viagem.

Meia-noite. Faltam duas horas e meia para sair de casa. Conto os minutos. Ansioso por chegar a casa. Por chegar a Portugal.

O tempo demora a passar. A minha anfitriã dorme.

Saio de casa às 2.45. Ela leva-me até à estação de comboios. Aí apanho a camioneta que me leva até ao aeroporto. Chegada prevista para as 4.45. Ligo a música e adormeço.

Chegamos. Mochila às costas. Check-in. Tempo de espera. Algum. Oiço música e escrevo.

Penso na viagem. Penso no que foi e em como nunca imaginaria há uns meses atrás estar neste aeroporto e tendo feito o caminho que fiz.

O avião levanta voo. Esqueci-me de como era voar. Onde está a magia da estrada? Voo sem falar. Sem companhia para a viagem. A estrada tem mais encanto. Paisagens, gente, conversa…

Parece que demora uma eternidade a chegar ao Porto. Entretanto troco sorrisos com os companheiros do banco de trás. Sinto uma aura boa neles. Sinto gente boa neles. Sim, acredito nas pessoas. Cada um tem o poder de decidir com que atitude enfrenta a Vida. Eu acredito!

Chegamos ao Porto e a iniciativa parte dele. Pergunta sobre as malas e eu continuo falando de viagens. A Vida mostra-nos oportunidades. Cabe a nós aproveitar esses momentos. Agarrá-los e interferir com a Vida. Parar o curso normal da água e falar com o do nosso lado.

Gente simpática. Estudantes. Sim viajei à boleia. Eles vieram de um InterRail.


Despeço-me. Deixo o contacto e a sugestão do Hospitality Club (dias depois venho a saber que ele se inscreveu… missão cumprida).

De metro vou para a Campanhã. Perguntam-me uma vez mais por Lisboa. “Não sei mas é uma cidade bonita.” Percebi como não conheço a cidade onde vivo. A mudar…

No Porto tomo pequeno-almoço com um membro do Hospitality Club. Não sem antes conhecer a minha futura companheira de viagem.

Chego à estação da Campanhã. Sou abordado por um sorriso de mochila às costas. “Vais para Lisboa?” “Sim mas não de comboio. Vou à boleia.” Pergunta se pode vir também. Claro que sim. És bem-vinda!

Pequeno-almoço com o Bruno. Passamos para o lado de Gaia e temos uma vista sobre a Invicta. Hora de partir.

Após estudo (incompleto) escolho a rotunda do Freixo como ponto de partida.

45 minutos passam sem que tenhamos boleia. Um senhor recomenda apanhar a camioneta ou o comboio. “São só 15 euros.” Vacilo… Se daqui a duas horas ainda aqui estivermos eu cedo. Até lá tenho um objectivo a cumprir.

Levanto o dedo e escrevo numa folha “A1 (Lisboa)”

Um carro pára. Até Gaia? Mais perto da A1? Claro que sim. Vamos.

Depois de muita conversa somos deixados numa estação de serviço. Considero a hipótese de ir até Leiria dentro da caixa de um camião TIR. A eslovena diz logo que sim. Felizmente encontro um lisboeta que volta a Lisboa. Boleia? Se compartirmos as portagens.. Primeira vez que me pedem dinheiro pela boleia. Claro! Por que não? É justo.

Muita, muita conversa. Gargalhadas e um pouco de casa no Português lisboeta que ele fala. Sensação boa. Temos umas horas pela frente por isso conversa não falta.

Chegamos a Lisboa e somos deixados frente à FCUL. Obrigado por tudo. Bom resto de viagem.

O carro parte. Grito. Grito tribal de alegria. Grito de SIM CONSEGUI!

Viajei à boleia em Portugal. Avisem nas ruas. Gritem pelos bairros. Gritem pela juventude de todo este país. É possível. Não só é possível como é uma experiência única. Libertem-se. Soltem-se. Contra todas as expectativas. Contra tudo o que m foi dito. Contra a maré consegui nadar. Contra a maré remei. E sim, cheguei onde queria. Porque lutei pelos meus sonhos. Porque os sonhos, quando são alimentados são mais forte que uma tempestade. Porque os sonhos estão à nossa frente. Porque os sonhos estão a um passo que só nós podemos decidir dar. Um só passo. Cabe a cada um realizá-los. Eu lutei pelos meus. Olho Lisboa e digo-lhe “Olá outra vez. Bom ver-te.” Sim cheguei a ti como queria. Bem-vindo de novo e parabéns, diz-me ela.

Sinto que as pessoas ficam felizes quando viajam comigo. Que vêem com os próprios olhos alguém que persegue os seus sonhos e os cumpre. Sentem-se bem e com sorte vão para casa com um sorriso pensando que não teriam tido aquele momento bom se não tivessem parado para me dar boleia. Sinto que ficam felizes quando se cruzam agora comigo e pensam: "Ele viajou à boleia pela Europa. No ano 2006 ele remou contra a maré e lutou pelos seus sonhos." Talvez se sentem de novo no sofá mas agora com alguma coisa a fazer comichão. A não deixar o mesmo sofá de sempre amolecer a força dentro de cada um. Mudo um pouco das pessoas. Mudo um pouco do mundo.

Deixo a minha companheira de viagem no metro do Campo Grande. Ano de ERASMUS pela frente. Boa sorte e boa Viagem.

Enfim rumo a minha segunda casa, já que as chaves para a primeira ficaram em cima da secretária. Afinal de contas, em dois meses em Barcelona para que precisava eu de chaves de casa?

Passo pelo Museu da Cidade. Encontro duas grandes amigas. Caminho para elas. A mochila vai para o chão. Gosto muito de ti mas nada substitui o abraço quente da amizade. Seguro-as. O mundo pára. Sim voltei para aqueles que me sentem no coração. Que me querem por perto e bem. Sim, o sorriso apodera-se de mim aí para não mais se soltar nos dias que se seguem.

Entro cada vez mais nas entranhas da FCUL. Cruzo-me com um senhor a quem devo muito. Agarrar oportunidades, não é? Ele estendeu-me uma fantástica oportunidade há ano e meio atrás. Abriu as mãos, envoltas de um sorriso, e mostrou-me o Hospitality Club. Obrigado Fernando. Também sem ti não seria a pessoa que sou hoje.

Caminho para o coração da FCUL: o C2. Pelo menos o coração que bate para mim e por mim.

Lá encontro um sorriso calmo. O mesmo sorriso apaixonado que me recebe quer esteja longe um dia ou dois meses. Sim um sorriso que me recebe e sem proferir uma palavra me diz: “Bem-vindo a casa. Bom ver-te e bom saber que estás feliz.”

Momentos depois o quadro muda por completo. Sou avistado. Os olhares passam por mim. Os músculos congelam. O cérebro envia o sinal. A manada vem. Os olhos cheios. Uma vez mais a mochila vai ao chão. Aliás, cai ao chão, pois não tenho quase tempo para me preparar. Sou atacado por abraços, olhares, sorrisos, beijos, mãos amigas que me acolhem e me mostram admiração e amor ao mesmo tempo. Vidas que me mudam e que eu mudo. Uns põem-se mais de lado. Não querem a confusão. Querem o meu par de olhos virados para eles. Todos os sentidos sintonizados neles. Sim, também eu quero isso Vítor. Também eu vos quero muito, com todos os meus sentidos.

O que desejei aconteceu. Fui recebido por aqueles que me corriam no coração enquanto viajava. Alguns desses ficam por ver mas no dia seguinte certamente que tropeçarei neles e receberei outro grande abraço (verificou-se pois no dia seguinte a Marta vem a correr para mim como se não houvesse amanhã e dá-me o maior abraço que alguma vez recebi dela). Difícil expressar o que isto me faz sentir. Difícil perceber o quanto estas pessoas significam para mim e eu para elas. Como um salto para cima de mim e um grande abraço me fazem sentir pequeno frente a tanto carinho. E sim, é para mim este carinho. Sim é para mim que vêm estes abraços. São meus e eu não sabia.

Adoro-vos, do fundo do coração e desejo que estejam sempre lá. Sempre cá, dentro de mim e eu de vocês.

Aos poucos vou encontrando olhares conhecidos, que me fazem sorrir e retribuem com um outro sorriso. Sim, é essa a minha linguagem. Todo o mundo me recebe bem assim. Eu recebo o mundo assim. Com um sorriso. Um por fora e um por dentro.

(o sono começa a assaltar o meu corpo…)

Conversas. Como foi. Como vai ser. O que é neste preciso momento. O que sou. Quem sou. Sim, voltei mais sábio. Digo-o sem falsas modéstias. Sim, voltei mais conhecedor. Sim, voltei com mais claridade e diferente. Tinhas razão Vítor. “Vai. Vai e volta um Miguel mais sábio.” Todos me deram uma palmada e me sorriram quando estava de partida para dois meses de trabalho em Barcelona. Esse sentimento foi multiplicado por dez agora que volto de um mês de viagem de boleia após outro em Barcelona. Sim, segui o meu sonho. Sim agarrei a oportunidade que me foi proporcionada.

Hora de rumar ao ninho. Hora de saciar as saudades de uma mãe que foi mantida na incógnita e na dúvida acerca da minha chegada, como a maioria das pessoas.

Chego a casa. Luzes apagadas. Mãe telefona e pergunta triste “Quando vens?” Respiro fundo e minto: “Não sei. Estou a passear.” Dói mas em breve passará. Mãe nas compras. Volto mais tarde.

Ao voltar só a minha irmã está em casa. Um abraço forte. Voltei. A mãe?

Escrevo “Casa?” no meu caderno dos destinos e prendo no sofá. Desligamos as luzes da casa e acendo um candeeiro virado para o caderno. Mãe leoa chega. Chama por mim. Ruge por mim. Abraça-me. Chora. Quase me bate. Alegria, dor, medo, orgulho, tudo de uma vez. Tudo comprimido durante dois meses e que rebenta agora. Explode em choro. Choro que recebo com um sorriso. Agora estou cá. Estou mais em mim que nunca. Estou cá ao pé de ti. E tu de mim.

Conversa pela noite fora. Mãe não pergunta muito da viagem. Não faz questão de saber pormenores. Não tem que saber o que foi para mim. Sabe que vai saber com tempo. Sabe que em mim as coisas vão assentar com o tempo. O que ela quer saber lê nos meus olhos. Vê em mim rebentando por todos os poros. Também eu saberei quais as consequências desta Viagem com o tempo e com a Vida e com o que ela me traz. Mãe fica a falar e no dia seguinte agradece pelo serão de conversa.

Vou me deitar. Volto ao meu quarto. Não é meu. Não sou eu. Vai passar a ser. Amanhã começo a mudança. Mudei por dentro. Vou mudar o que me rodeia. Vou me mudar. Depois de ter começado por dentro de mim começo agora nas camadas seguintes da cebola que me envolve. O meu quarto vai mudar. Vai ser o meu quarto. Amanhã compro uma cama nova e monto-a amanhã. Também uma agenda que se começa a encher de eventos culturais. Viver mais a minha cidade. Conhecer a Cinzenta. Conhecer a cidade onde tenho vivido de olhos fechados. Conhecer e dar a conhecer quando estiver preparado. Mudar a minha vivência nesta bela pequena grande cidade. O resto da mobília seguir-se-á. Começa agora a mudança.

Uma nova quebra na minha Vida. O novo ponto de viragem. O último foi no Verão de há dois anos. Agora sou confrontado com outro. Em constante crescimento. Em constante mutação.

Mudei. Voltei diferente. Voltei com estórias para contar. Com sentimentos para sentir. Com um sorriso maior e olhos que viram muitas coisas.

Voltei para mim e para vocês. Voltei para mudar a minha Vida e para virar uma página da minha Vida retomando, ou melhor reconstruindo, o meu presente.

Voltei para abraçar e sorrir com os que me querem.

Voltei para mostrar que basta lutar e os nossos sonhos estão a um passo de distância.

Voltei, acima de tudo, para mostrar que é possível.

Pronto para mudar a minha Vida.


Dois meses e muita Vida depois, voltei.

23.9.06

A transbordar...

As lágrimas correm.

Palavras amigas perguntam: "Tás cheio (de alegria, de vida, de tudo)?"

As lágrimas correm quando falo, quando conto, quando penso, quando escrevo.

Coisas para contar. Pensamentos. Sorrio quando lembro. Sorrio quando a minha cabeça pensa freneticamente no que escrever. Sorrio quando olho olhos que conheço. Sorrio quando vejo nas caras que realmente olham para mim como alguém que fez acontecer. Sorrio quando alguém me diz: "O teu blog fez-me pensar."

Não estou cheio. Estou a transbordar.
Tanto que não consigo evitar que as lágrimas corram.

Frankfurt, a cidade dos arranha-céus...





















Adeus minha linda... Adeus Berlin...




Cidade de mil e uma coisas... Cidade sem identidade... Cidades dentro de uma só... Uma casa ocupada no meio de muitas... Vidas pintadas na parede...

Gostei de te conhecer Berlin. Foi um prazer...









A minha viagem foi possivel por diversos factores. Sim, tive coragem. Sim, tomei a iniciativa. Sim, foi o gatilho de algum tempo de sonho que foi despoletado aqui e agora. Sim, eu aproveitei e atirei-de do arranha-céus.
Mas nao fui só eu. Atrás de mim tinha maos a empurrar, bracos a levantarem-me quando eu caía. Sorrisos quando eu olhava com medo para trás. Muitos. Muita gente que enviava um mail e dizia: "Tenho orgulho em ti. És uma inspiracao."
Mensagens enviadas que me fizeram respirar quando eu estava mesmo mal, olhar em frente e pensar em palavras amigas: "Dizes que não te sentes bem aí. Sentias-te melhor aqui? Decidir voar custa... Conseguir ficar também... Lutaste pela viagem... Luta pela estadia... "

A todas essas pessoas. A todas essas fantásticas pessoas. A todas as palavras que recebi. A todos, obrigado. Sem o vosso apoio duvido que alguma vez teria conseguido.

"Só voa quem consegue fazê-lo" Obrigado Filipa.


Mas esta última foto é para uma pessoa em especial. Uma pessoa que aparentemente não conhecia e continuo sem conhecer. Uma pessoa em quem tropecei e que estendeu os braços. Uma pessoa sem a qual tenho a certeza absoluta que nada disto teria acontecido. Uma pessoa que sem dizer muito, de longe sorria e torcia por mim. Uma pessoa que moveu mundos para que eu tivesse feito o que fiz. A essa pessoa uma vénia. Mil vénias. Um bem haja. Um grande obrigado. Mil obrigados.

Obrigado. Obrigado. Obrigado.

Obrigado, Margarida.

20.9.06

Viajar por dentro...

O que e que deve reger o nosso futuro?
O que e que deve reger o nosso presente?

"Tens que estudar, acabar o 12o com boas notas, entrar num curso bom, acabar o curso, fazer um doutoramento, um post-doc, arranjar um trabalho, trabalhar, trabalhar, trabalhar, subir na vida, trabalhar, ganhar dinheiro para alimentar a tua familia, sair de casa as 7 e voltar as 19 para jantar e ir para a cama descansar para as 6.30 do dia seguinte estar a pe. Isso sim e o que tens de fazer na tua vida. Isso sim e o teu plano de vida e o objectivo pelo qual te deves seguir. Assim sim seras feliz."

Quando e que nos olhamos para dentro?
Quando e que temos tempo para nos?

"Tens que isto e isto e isto."
E se nao correr bem? E se falhar? E se chumbar um ano? E se escolher mal e quiser mudar?

"NAO! Nao podes falhar. Nao te podes enganar. Escolheste mal? Olha agora fazes ate ao fim. Ao menos ficas com o canudo na mao.
Isso sim e ser feliz."


Todos nos ensinam a lidar com o sucesso. Os filmes mostram-nos como o bom ganha sempre. Nos jogos olimpicos vemos sempre o 1o a correr com a bandeira nas maos.

E o que ficou em quarto? E o mau que perdeu? E quando falhamos?
E quando nao corre bem? E quando os planos nao funcionam?

Quem e que nos ensina a lidar com a frustracao? Quem e que nos faz pensar?
Tens que ler, ler, ler, ler, decorar e depois deitar tudo ca para fora.

E pensar? Nao, nao, nada disso. Ter que saber dizer exactamente aquilo que eu quero que digas.


Pedem-nos para saber responder. Nao nos fazem saber perguntar.

Toda a gente nesse fantastico pais tem medo de perder um ano. Parar um ano.
Um ano que tantos paises cedem aos seus jovens. Um ano para pensar e experimentar. Olhar para dentro e lidar com o que somos.
Nao importa olhar so a volta de nos. E importante olharmos para nos tambem. Sabermos quem somos. Como somos. Como reagimos com o fracasso. Como somos quando o medo vem. As lagrimas. O sofrimento.

Parar quando? Quando tiver 65 e me reformar? Parar ai quando o corpo ja nem responde bem e nao me deixa fazer o que eu quero? Sera que essa e a altura para parar?

Ate la somos empurrados pela manada da productividade? Somos varridos com o resto dos 160 que entram no mesmo curso que nos?


Nao. Viajo pela Alemanha e ja toda a gente viajou meses fora de casa. Toda a gente se libertou de uma forma ou de outra. Por que e que nos nao viajamos? Porque e que nos nao vamos conhecer o nosso pais e o dos outros? Porque e caro? Nao nao e. Eu nao gastei quase dinheiro nenhum em 2 meses de viagem. Basta ter os olhos abertos.

"A sorte vai de encontro com aquele que a procura"

Todos nos temos que parar, experimentar, viver sos e sem ajuda. Ver como e. Ver como somos. E isso pode ser aos 65 anos mas quanto mais cedo formos independentes em nos mesmos mais cedo construimos um mundo forte em torno de nos. Mais saude damos a nossa vida e as nossas relacoes. Mais valorizamos o que temos e o que pelo qual lutamos. Uma folha que cai ou um sorriso de uma crianca. Aquilo a que nos pudemos agarrar quando estavamos sozinhos e em busca de pequenos focos de calor. Um sorriso. Calor

Ou pelo menos e o que sinto que esta viagem me ensinou.

18.9.06

Sonhos...

Quantas pessoas batem palmas quando um conhecido seu mostra que realizou um sonho, e viveu o que realmente desejava, e depois voltam para casa e sentam-se no mesmo sofa onde se sentaram todos os dias dos ultimos 20 anos?

14.9.06

Capitulo IX - Uma estoria que se aproxima do fim... Mas ainda com muito para sorrir...

Sozinho em casa uma vez mais. Nao desesperantemente. Nada disso. Muito pelo contrario.

A minha irma e o namorado acabam de partir de malas as costas. A jornada deles acabou por aqui e estao de retorno a casa. Fecho a porta. Silencio total. Bom e mau. Mas o mau e muito pequeno.
Ate daqui a uns dias Rita.

Peco ao Carlos Paredes para animar um pouco a minha manha recem-comecada.

Ontem comecou uma nova pagina da minha viagem. Encontrar uma pessoa fantastica. A primeira pessoa que hospedei em casa pelo Hospitality Club. Experiencia que ficou no coracao e na carne.
Chegou ontem e nos proximos dias terei uma outra companhia para passear e principalmente falar.

Alguns minutos de conversa quando chegou ontem. Seguidos de momentos de desconforto (huuuummm e agora?? O que e que digo?). Pouco tempo depois a conversa toma o seu rumo, os sorrisos soltam-se. Passeios, conversas, planos e trocas de experiencias.

Agora, finalmente, posso parar. Parar para ler. Parar para pensar. Parar para escrever para mim. Uns dias sempre a correr. Sair de casa cedo. Chegar a casa tarde. Fome e cansaco. Vamos para a cama que amanha e outro dia. Compreensivel. Eles tinham pouco tempo ca e estavam com vontade de visitar muita coisa. Eu, com gosto, fiz companhia.

Estranho como e diferente andar sozinho e escolher as ruas e que viro e andar com outros e sobre a vontade de outros. O cansaco psicologico de nao saber ao certo quando se para e ate onde se vai. Cansa, mata. No inicio da tarde ja estava completamente morto e as pernas gritavam por um sitio para sentar. Cansaco acumulado de muitos kilometros pela Europa fora.

Tudo segue um timing bom. Saboroso. Saboreado aos poucos como um quadrado de chocolate branco que se dissolve na boca. Aos poucos. Sem datas. Sem stress.

“Entao e tu ficas ca ate quando?” Sorrio... Boa pergunta... “So tenho uma data fixa, a do aviao. De resto posso fazer o que quiser, quando quiser.” Sensacao boa. Sorriso correspondido. “Kein stress.”

Os dias passam e eu por eles. A amiga vem com tempo para mim. Optimo. Existe um plano mas completamente maleavel. Dependente do que me disser o coracao. Ele tem o poder de veto, e usufrui deste sempre que preciso. Quem sou eu para contestar.

Do outro lado (agora ja nao so da peninsula iberica mas um pouco mais longe) gente que me apoia, que me ajuda. Gente ate que de querer ajudar ja levou raspanete na secretaria da faculdade. Sim porque quando quero algo chateio, relembro, faco questao de fazer saber que nao vou dar um passo atras quando o meu futuro esta envolvido. Entao peco a algumas pessoas que vejam como estao as coisas quando tiverem tempo. Na secretaria ja devem ter um boneco voodoo meu...

Dias passam, sorrisos largam-se e recebem-se.
Destino final caminha para mim. Nao. Eu caminho para ele. A velocidade que quero e pelas ruas que quero. Geralmente as com menos turistas. Paro para olhar, olho para tras e sorrio. A Cinzenta em breve estara tambem tracada no meu mapa da Europa.

Ate ja.




P.S.- A embaixada de Espanha ligou-me no dia 8 de Setembro a avisar que o papel ja estava pronto. Quase dois meses depois de o pedir. Supostamente demorava 2 semanas. Viva a competencia, a eficiencia e a burocracia neste pais.

Os arredores... Potsdam...





















Os maus velhos tempos...





















Beleza que surge com o renascer de uma cidade...





Potsdamer Platz...









Berlin, cidade de gente...






Isto que aqui se ve e a casa de banho de um bar de ocupas... Um edificio em constante mudanca.
O que veem que parecem lavatorios sao na verdade urinois. E como podem ver a decoracao e.... peculiar.





Homenagens aos judeus... Para que ninguem se esqueca...






















11.9.06

O frio comeca a fazer parte de mim...

Berlin.

Ja alguns dias passaram. Nao sei quantos. Nao sei quantos faltam. Perco a capacidade de ter nocao da passagem do tempo aqui.

Certamente em casa estarao muitos a dizer: "As ferias foram boas mas curtas." "As aulas comecam ja daqui a uns dias."
Ai e? Nao sei. Nao sinto isso. Nao penso sequer. O tempo nao passa e passa a correr. Passa na velocidade ideal diria mesmo. Acordei ao meio dia, menos tempo para aproveitar. Nao ha problema...

Aos poucos um novo sentimento cresce em mim. O de regresso.
Nao por pena. Nao por saudade (mas sim alguma saudade de sorrisos e abracos que estao na ponta da Europa).
Simplesmente sentimento de missao cumprida. Sim, isso mesmo. Missao cumprida.

Voltarei a casa inteiro. Aulas logo a seguir e nao vira um sentimento de queria mais. Mais seria "desnecessario". Missao cumprida, vamos agora passar para a proxima viagem.

E que viagem sera essa? Nao sei. Ao longo da viagem descobrirei. Certamente uma viagem para decidir qual a proxima, onde, quando e como.

Por agora os passeios continuam. A saudade de uma amiga berlinense que teima em nao vir.
O calor de uma irma que nao veio ao meu encontro mas sim para o mesmo sitio que eu.

O sorriso, a gargalhada, o falar na rua e no metro. Cozinhar e comer acompanhado.

Caminha sem ser eu a tracar o caminho. Deixar-me levar pela vontade de outros. Claro que sim, voces so estao ca mais uns dias. Depois eu vejo o que me "faltar". Levem-me mas nao me cansem demais porque depois de um mes e meio de andar as minhas pernas ja pedem algum descanso e gritam ca para cima:

"Missao cumprida!"